Análise do livro, Memórias de um Sargento de Melícias, de Manuel A. de Almeida

Analise do Livro “Memórias de um Sargento de Milícias”, de Manuel Antônio de Almeida.

DADOS BIOGRÁFICOS DO AUTOR.


1831 – No dia 17 de novembro, na cidade do Rio de Janeiro, nasce Manuel Antônio de Almeida.

1840 – Órfão de pai, Manuel Antônio faz seus estudos com dificuldades.

1848 – Ingressa na Faculdade de Medicina e começa a trabalhar no jornal Correio Mercantil.

1852 – Publica no Correio Mercantil, em folhetins semanais, Memórias de um sargento de milícias, com o pseudônimo “Um brasileiro”.

1854 – É publicado em livro o primeiro volume de Memórias de um sargento de milícias.

1855 – É publicado em livro o segundo volume de Memórias de um sargento de milícias.

1857 – É nomeado diretor da Imperial Academia de Música e Ópera Nacional. Fica no cargo até 1860, quando essa entidade é extinta. Administra a Tipografia Nacional, aonde vem a conhecer um jovem tipógrafo que se tornaria o maior escritor do século XIX: Machado de Assis.

1859 – Participa da fundação do Liceu de Artes e Ofícios, escola da Sociedade Propagadora das Belas-Artes, de que era secretário.

1861 – No dia 28 de setembro, morre no naufrágio do navio Hermes, quando se dirigia à cidade de Campos.

1863 – Nova publicação dos dois volumes de Memórias de um sargento de milícias, quando, pela primeira vez é indicado o nome do autor: Manuel Antônio de Almeida.


ESTRUTURA DA OBRA


O livro está dividido em duas partes bem distintas: a primeira com 23 capítulos e a segunda com 25. Fora publicado inicialmente, sob anonimato, na forma de folhetins, no suplemento dominical “A Pacotilha” do “Correio Mercantil”, em 1852, jornal carioca onde trabalhava. O que fez com que, os episódios fossem quase autônomos, só ligados pela presença de do personagem principal Leonardo, dando à obra uma estrutura mais de novela que de romance.


GÊNERO DA OBRA.

Memórias de um Sargento de Milícias é romance narrado ora em terceira pessoa, ora em primeira pessoa, sendo um narrador-observador quem conta a história. A obra é narrativa com um com um forte torque de descrição.

Essa descrição fica clara em partes tais como: “Este apresentou-lhe a irmão, Vidinha, uma mulatinha de 18 a 20 anos, de altura regular, ombros largos, peito alteado, cintura fina e pés pequeninos; tinha os olhos muito pretos e muito vivos, os lábios grossos e úmidos, os dentes alvíssimos, a fala era um pouco descansada, doce e afinada”.


ESTILO DE ÉPOCA.


Tendo surgido em pleno Romantismo, Memórias de um Sargento de Milícias apresenta uma narrativa desembaraçada, e bem humorada, com conversações colhidas ao vivo e uma multidão de personagens vivos, extraídos da gente do povo, primando pela originalidade. Todavia, alguns a consideram como sendo uma obra com toques de realismo. Para alguns é uma obra de transição para o Realismo.


VOCABULÁRIO


O vocabulário tem três características principais:


1) A linguagem utilizada pelo autor em toda a novela, embora de cunho popular, tem muito do linguajar tipicamente português, o que revela, sem dúvida, a marcante presença da gente em nossa terra no “tempo do rei”:
“Pois estoure, com trezentos diabos!”

2) Construções bem clássicas:
“Coimbra era a sua idéia fixa, e nada há arrancava da cabeça."

3) A ironia e o humor estão presentes na obra do começo ao fim:
“Luisinha, conduzida por D. Maria, que lhe ia servir de madrinha, embarcou num dos destroços da arca de Noé, a que chamamos carruagem;”

Este vocabulário nos remete ao tempo do autor (1852), todavia traz algumas dificuldades para o leitor contemporâneo, mas não interfere no entendimento da história central da obra.


“ASPECTOS TEMÁTICOS MARCANTES”


1) Para Antônio Soares Amora, “a intenção do autor, ao escrever seu romance de folhetins para a “Pacotilha”, não é difícil perceber; oferecer ao leitor, de um lado, um romance engraçado, pelos tipos que nele entravam, pelas suas expressões, pelas suas atitudes e ações; de outro, um romance de costumes populares, de um Rio que deixara de existir, com a modernização da vida carioca, iniciada no decênio de 1830; um Rio do começo do século, ronceiro e roceiro, mas bem mais pitoresco e alegre, pelas despreocupações de sua gente e pelas festas populares (procissões, folias do Divino, fogos no Campo de Santana, as súcias), e por isso um Rio de que os mais velhos, nos anos de 1850, se recordavam com nostalgia”.

2) Além desses aspectos citados, que configuram bem a “época do Rei” (início do século XIX, quando D. João VI esteve no Brasil fugido de Napoleão), destaca-se também no livro o anticlericalismo típico da época, em que se expõem as safadezas de padres e outros podres da Igreja de Roma.

3) Ao traçar o perfil de Leonardo, protagonista da novela, o autor retrata um tipo genuinamente brasileiro, com sua malandragem bem carioca e sua propensão ao “dolce far niente” (= não fazer nada, ócio), numa aversão ao trabalho, que antecipa, em quase um século, o celebrado “herói sem nenhum caráter” e modelo de nossa gente, Macunaíma, do modernista Mário de Andrade.

4) Apresentando um perfil pautado pela retidão e pelo senso de responsabilidade, que o aproxima mais do herói tradicional que Leonardo, o major Vidigal é bem a encarnação do poder constituído e da ordem estabelecida. Com sua implacabilidade à cata de malandros, o major representa, sem dúvida, o guardião de normas sociais que padronizam comportamentos e enquadram tipos rebeldes que ousam transgredi-las.

5) Simbolicamente, dada à liberdade que me permite a teoria da obra aberta, pode-se ver, nessas “memórias” de Leonardo, a trajetória existencial de qualquer ser humano, desde o nascimento, quase sempre fruto de um amor que brota com uma “pisada no pé” (que varia conforme o costume da época...), até o enquadramento social, que se concretiza com o casamento e, sobretudo com a investidura da camisa de força imposta pelo major Vidigal. Sem dúvida, o “happy end” da conclusão é um final irônico, em que o ser humano dá adeus às travessuras e às ilusões para se enjaular nos limites estreitos de uma vidinha miúda e besta, pautada pelo bom comportamento de um sargento de milícias.


PERSONAGENS


Leonardo: anti-herói, herói às avessas, herói picaresco - desde a infância é esperto, vagabundo e mulherengo, assemelha-se ao protagonista, Macunaíma.

Leonardo Pataca: oficial de justiça, sentimental, sempre enroscado em suas paixões.

Maria-da-Hortaliça: mãe do herói.

Major Vidigal: temido e respeitado por todos. Severo punidor, é, ao mesmo tempo, policial e juiz.

Comadre: protetora de Leonardo vive tentando livrá-lo dos enroscos em que se metia.

Compadre Barbeiro: outro protetor. Cria o menino como se fosse o seu filho, sonhando um próspero futuro para ele; só que isso não acontece.

D. Maria: velha, rica e bondosa. Era apaixonada por causas judiciais. Tia e tutora de Luisinha, amiga da comadre e do compadre.

Luisinha: primeiro amor de Leonardo. Suas características fogem da idealização dos modelos românticos: era feia, pálida e desajeitada.

José Manuel: caça-dotes representa uma crítica à burguesia.

Vidinha: cantora de modinhas, segunda paixão de Leonardo.

Chiquinha: filha de D. Maria e esposa de Leonardo-Pataca.

Maria-Regalada: amante de Vidigal.

Além desses, há outros como: A vizinha, a cigana, o mestre-de-rezas, Tomás, etc.


ANALISE DA OBRA.


Ao invés da sofisticada e fina gente carioca da época, “Memórias de um Sargento de Milícias”, mostra a vida das pessoas simples do Rio de Janeiro no tempo do Rei D. João VI. E relato de maneira crítica, irônica e bem humorada a realidade da época.
Usando o gênero narrativo e em alguns casos descritivos, Manuel Antônio de Almeida, traz uma história envolvente, recheada de episódios sentimentais, com cenas de suspense e perigo, e, segue a lógica dos escritos, o de final feliz onde os bons são premiados e os maus punidos.
O autor usa uma linguagem clara e uma seqüência progressiva e lógica.


Confira a resenha e comentários sobre o Livro Memórias de Um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida, uma das obras cobradas pelos Vestibulares do Estado de São Paulo (Usp, Unicamp, Unifesp, Unesp entre outras). Vejas as Características Principais, Personagens, Enredo e Trechos da Obra.
Livro Memórias de Um Sargento de Milícias   Características e Resumo 1x1.trans
Contexto, Enredo e Resenha do Livro
Este 
romance
 foi escrito por Manuel Antônio de Almeida, na verdade seu único livro, epublicado em Folhetins do jornal Pacotilha entre os anos de 1852 e 1853. Memórias é um livro inserido no período do Romantismo no Brasil, porém muitos críticos literários afirmam se este uma transição para o que seria o Realismo. Entretanto o que podemos afirmar é que o Livro apresenta marcas novas e atípicas ao Romantismo porém não chega a ser um romance que aprofunda na tese e análise do comportamento humano.

Num Resumo podemos citar que o Enredo gira em torno de Leonardo, filho de Leonardo Pataca e de Maria Hortaliça, e suas numerosas aventuras picarescas no Rio de Janeiro do início do século XIX – Época do Império, o próprio escritor abre a obra dizendo “Era no tempo do rei”…Rejeitado pela mãe (que foge com um mercador) e pelo pai (que o expulsa após a fuga da mãe com um pontapé), Leonardo é criado e amparado pelo padrinho (o barbeiro) e depois pela madrinha (a parteira), mas cedo já revela um comportamento traquinas, sempre apanhava com a palmatória do mestre na escola, faltava às aulas e ia para igreja se juntar a um amigo e fazer bagunça. Leonardinho chega até a ser coroinha, mas de tanto aprontar logo foi expulso.
Já homem dá-se a amores com Luisinha (que não segue os moldes idealizados da mulher romântica, pelo contrário da primeira vez que Leonardo a vê sente vontade de rir) que é sobrinha de D. Maria conhecida de sua madrinha. Porém Luisinha casa-se com José Manuel, que só queria seus bens, e Leonardo envolve-se com Vidinha, que também lhe desperta um amor mais sensual, ele passa a viver na casa dela como um Agregado mas por diversas confusões acaba preso pelo Major Vidigal (símbolo da order e poder). Como castigo Vidigal o coloca no cargo de praça – Leonardo levava uma vida de vadio e não trabalhava.
Logo depois volta a prisão, de onde é resgatado com a ajuda de D. Maria e a Madrinha que recorrem a Maria Regalada (antiga paixão do Major Vidigal) que interceda por ele. Com efeito, Vidigal não resiste ao pedido de M. Regalada, liberta Leonardinho e o promove a Sargento. Luisinha fica viúva e o desfecho do romance é a união dela com Leonardo que também é promovido à Sargento de Mílicias (ofício que permitia o casamento).
Características da Obra
Livro Memórias de Um Sargento de Milícias   Características e Resumo 1x1.trans
* Novela, em tom Humorístico, que faz uma crônica dos costumes do Rio Colonial, na época de D. João VI.
* Não há idealização das personagens, que se apresentam numa categoria mais social do que psicológica – o mesmo ocorre em O Cortiço – por exemplo a Comadre, a Cigana…
* Esta obra inova também por retrar as camadas inferiores da sociedade (barbeiros, parteiras, saloias) em detrimento das personagens burguesas característica das obras do Romantismo.
* Cria-se um novo tipo de Herói, que não segue o Maniqueísmo (Bem ou Mal), e são na realidade movidos pelas necessidades de sobrevivência. Isso é claramente percebido na figura de Leonardo – chamado de o Primeiro Malandro da literatura brasileira, mas não de uma forma pejorativa como na atualidade.
* Segundos um dos mais reconhecidos críticos literários atuais, Antônio Candido, o nosso “anti-herói” está inserido na dialética da ordem x desordem, e no desmascaramento das mazelas de uma sociedade caracterizada pela risonha hipocrisia, pela acomodação do “jeitinho”, empreguismo e favorecimentos ilícitos.
* É frequentemente chamada de Realismo Espontâneo, arcaico, sem enfoque analítico dos romances de Machado de Assis ou Eça de Queiroz. Além disso tem marcas do Romantismo – Final Feliz e a forma de folhetim que se assemelha às novelas de televisão (para sempre num ponto climax e no outro capítulo retoma o que se passou)
Personagens – Tipos Populares – e seus Papéis
Leonardo ou Leonardinho – o anti-herói ou herói picaresco do romance, vadio, malandro, que adora fazer estripulias e criar problemas.
Luisinha – moça com a qual Leonardo se casa. Em princípio é desengonçada e estranha.
Vidinha – mulata jovem, bonita e animada, toca viola e canta modinhas. Leonardo, atraído por ela, vive em sua casa por algum tempo como um Agregado.
O Compadre – barbeiro de profissão, cria Leonardo, protege-o e acaba deixando-lhe uma herança que surripiou do comandante de um navio.
A Comadre – defende e acompanha Leonardo em qualquer circunstância.
D. Maria – fixada por uma demanda judicial, ganha a guarda de Luisinha, quando ela perde os pais.
José Manuel - interesseiro, casa-se com Luisinha por dinheiro.
Major Vidigal – militar que persegue Leonardo, até conseguir integrá-lo às forças milicianas. Representa no final do livro a Corrupção, pois sempre foi o defensor da justiça e ao fim é levado a aferrecer seus atos e até a colocar Leonardo em postos na polícia.
Leonardo Pataca – pai de Leonardo, filho este que foi fruto de uma Pisadela e um Beliscão.
Maria da Hortaliça – mãe do personagem, trai o Pataca e foge com outro para Portugal.
Chiquinha – filha da Comadre que se casa com Leonardo Pataca.
Trechos de Memórias de um Sargento de Mílicias
Leonardinho na Escola:
Na segunda-feira voltou o menino armado com a sua competente 
pasta
 a tiracolo, a sua lousa de escrever e o seu tinteiro de chifre; o padrinho o acompanhou até a porta. Logo nesse dia portou-se de tal maneira que o mestre não se pôde dispensar de lhe dar quatro bolos, o que lhe fez perder toda a folia com que entrara: declarou desde esse instante guerra viva à escola. Ao meio-dia veio o padrinho buscá-lo, e a primeira notícia que ele lhe deu foi que não voltaria no dia seguinte, nem mesmo aquela tarde.

- Mas você não sabe que é preciso aprender?…
- Mas não é preciso apanhar… – Pois você já apanhou?… – Não foi nada, não, senhor; foi porque entornei o tinteiro na calça de um menino que estava ao pé de mim; o mestre ralhou comigo, e eu comecei a rir muito…
Livro Memórias de Um Sargento de Milícias   Características e Resumo 1x1.trans
Declaração, em tom humorístico, de Leonardo à Luisinha:
A bulha dos passos cessou sem que ninguém chegasse à sala; os dois levaram algum tempo naquela mesma posição, até que o Leonardo, por um supremo esforço, rompeu o silêncio, e com voz trêmula e em tom o mais sem graça que se possa imaginar perguntou desenxabidamente:
– A senhora… sabe… uma coisa?
E riu-se com uma risada forçada, pálida e tola.
Luisinha não respondeu. Ele repetiu no mesmo tom:
– Então… a senhora… sabe ou… não sabe?
E tornou a rir-se do mesmo modo. Luisinha conservou-se muda.
– A senhora bem sabe… é porque não quer dizer…
Nada de resposta.
– Se a senhora não ficasse zangada… eu dizia…
Silêncio.
– Está bom… eu digo sempre… mas a senhora fica ou não fica zangada?
Luisinha fez um gesto de quem estava impacientada.
– Pois então eu digo… a senhora não sabe… eu… eu lhe quero… muito bem.
Luisinha fez-se cor de uma cereja; e fazendo meia volta à direita, foi dando as costas ao Leonardo e caminhando pelo corredor. Era tempo, pois alguém se aproximava.

Desde o dia em que Leonardo fizera a sua declaração amorosa, uma mudança notável se começou a operar em Luisinha, a cada hora se tornava mais sensível a diferença tanto do seu físico como do seu moral. Seus contornos começavam a arredondar-se; seus braços, até ali finos e sempre caídos, engrossavam-se e tornavam-se mais ágeis; suas faces magras e pálidas, enchiam-se e tomavam essa cor que só sabe ter o rosto da mulher em certa época da vida; a cabeça, que trazia habitualmente baixa, erguia-se agora graciosamente; os olhos, até aqui amortecidos, começavam a despedir lampejos brilhantes; falava, movia-se, agitava-se. A ordem de suas idéias alterava-se também; o seu mundo interior, até então acanhado, estreito, escuro, despovoado, começava a alargar os horizontes, a iluminar-se, a povoar-se de milhões de imagens, ora amenas, ora melancólicas, sempre porém belas.

Análise do livro - SENHORA, de José de Alencar


Análise do Livro - Senhora de José de Alencar

24/03/2011 17:22

Senhora, de José de Alencar
Análise

Senhora foi publicado em 1875. O 

romance
 pode ser considerado uma das obras-primas de seu autor e uma das principais da literatura brasileira. Uma vez que trata do tema do casamento burguês, ou seja, baseado no interesse financeiro, pode ser considerada precursora do Realismo ou pré-realista.  

Alencar classifica a obra dentro de seus “perfis de mulher”, já que concentra na mulher o papel mais importante dentro da sociedade de seu tempo. Aurélia é a protagonista do romance, uma jovem mulher dividida entre o amor e o ódio, o desejo e o desprezo pelo homem que ama. Essa personalidade dividida apresenta um desvio psíquico ocasionado a partir do rompimento do noivo, Fernando Seixas, e que causou um certo caso de esquizofrenia na personagem.

A personagem Aurélia Camargo é idealizada como uma rainha, como uma heroína romântica, pelo narrador. De "régia fronte, coroada de diadema de cabelos castanhos, de formosas espáduas", essa personagem, no entanto, é ao mesmo tempo "fada encantada" e "ninfa das chamas, lasciva salamandra". Ao estereótipo da "mulher-anjo" romântica, o narrador acrescenta, assim, um elemento demoníaco, elemento que, em vez de explicitar, deixa sugerido, "sob as pregas do roupão de cambraia que a luz do sol não ilumina", e também "sob a voz bramida, o gesto sublime, escondendo o frêmito que lembrava silvo de serpente" ou quando "o braço mimoso e torneado faz um movimento hirto para vibrar o supremo desprezo". Tal maneira de caracterizar a personagem - pelos elementos exteriores - é típica do narrador observador. Tal caracterização, por sua vez, humaniza a personagem, afastando-a do maniqueísmo romântico e acrescentando-lhe traços realistas.

O conflito entre os protagonistas gera momentos de grande emoção e sofrimento. É desse embate entre o desejo de vingança e o desejo de amar em plenitude que nasce a ação psíquica que se transforma em enredo. Se a temática e o psiquismo da obra representam antecipações realistas, ambos fortemente consolidados pela evidente critica de uma sociedade que valoriza mais a aparência e o dinheiro que os sentimentos humanos, a idealização das personagens reflete o universo romântico presente na obra. O desenlace configura, por si só, a vitória do Romantismo em Alencar sobre a possibilidade realista.

Para melhor entendermos a obra, devemos perceber as interações do artista que a criou. Alencar acreditava sinceramente na vitória do homem na reforma de si mesmo e da sociedade. Não havia nele ainda o traço de pessimismo profundo e de ceticismo que tantas páginas maravilhosas fizeram nascer em Machado de Assis. É dessa crença nos sentimentos humanitários que bruta o Romantismo alencariano, do qual bruta a força vital de suas personagens. Divididos entre o ódio e o perdão, a necessidade financeira e os apelos do coração, vencem sempre os segundos. O mesmo caso pode ser observado na construção do romance Lucíola, mas com um final trágico. Em ambos os romances a premente necessidade do dinheiro, veículo central de uma sociedade aristocrática e burguesa, obriga personagens a trocarem seus sentimentos por dinheiro. O grande vilão, o antagonista, é sempre a sociedade e seus hábitos doentios e seus costumes imorais. Se é essa a pretensão do autor, o seu recado para a sociedade de seu tempo, devemos classificar Senhora com um romance de costumes. Se o cenário das personagens é o Rio de Janeiro da segunda metade do século XIXpodemos também considerá-lo como um romance urbano com traços de psicologismo e critica social.

Estrutura da obra

Senhora é um romance dividido em quatro partes e não obedece uma ordem cronológica, isto é, a primeira parte (O Preço), narra os episódios atuais, enquanto que a segunda parte (Quitação), fala-nos do passado de Aurélia, seguem os capítulos: Posse e Resgate. A narrativa é feita por um narrador que parece penetrar na alma de Aurélia Camargo para transmitir suas confidências mais intimas. 

Esses títulos contrariam ostensivamente o espírito de uma história de amor, como efetivamente é o romance Senhora. Mas, como se trata de um amor contrariado pelos hábitos sociais, fica clara a idéia de que os títulos foram assim escolhidos para hipertrofiar a metáfora contida no livro. Eles explicitam, em tom caricatural e hiperbólico, a idéia de que a compra efetuada por Aurélia é uma metáfora do casamento por interesse, muito corrente na época, mas sempre disfarçado por elegantes e frágeis encenações sociais.

Enredo

Na primeira parte, O Preço,  Aurélia Camargo dá a conhecer para o leitor: jovem de 18 anos, linda e debutando nos bailes. A principal ação desta primeira parte do romance começa quando Aurélia pede ao tio que ofereça ao jovem Fernando Seixas, recém-chegado na corte após uma longa viagem ao Nordeste, a sua mão em casamento. Entretanto, uma aura de mistério cobre o pedido, pois Fernando não deve saber a identidade da pretendente e além disso a quantia do dote proposto deve ser irrecusável: cem contos de réis ou mais, se necessário.

A habilidade mercantil de Lemos, que chega a ser caricata, e a péssima situação financeira de Fernando - moço elegante mas pobre, que gastou o espólio deixado pelo pai e que precisava restituí-lo à família para a compra do enxoval da irmã - fazem com que dêem certo os planos de Aurélia.

Na noite de núpcias, Fernando se surpreende ao ver nas mãos de Aurélia, um recibo assinado por ele aceitando um adiantamento do dote. Aurélia se enfurece, acusa-o de mercenário e venal. E ela começa a contar a vida e os motivos que a levaram a comprá-lo.

Na segunda parte, Quitação, conhecemos a vida de ambos os protagonistas. Aqui há um retorno aos acontecimentos em suas vidas, o que explica ao leitor o procedimento cruel de Aurélia em relação a Fernando.

Na terceira parte, Posse, a história retorna ao quarto do casal. Vemos Fernando arrasado de vergonha, mas Aurélia toma o seu silêncio como cinismo. É o início da fase de hipocrisia conjugal.

Na quarta parte, Resgate, temos o desenrolar da trama. Intensificam-se os caprichos e as contradições do comportamento de Aurélia, ora ferina, mordaz, insaciável na sua sede de vingança, ora ciumenta, doce, apaixonada. Intensifica-se também a transformação de Fernando, que não usufrui da riqueza de Aurélia, tornando-se modesto nos trajes, assíduo na repartição onde trabalhava, e assim adquirindo, sem perder a elegância, uma dignidade de caráter que nunca tivera.

No final, Fernando, um ano após o casamento, negocia com Aurélia o seu resgate. Devolve-lhe os vinte contos de réis, que correspondiam ao adiantamento do montante total do dote com o qual possibilitava o casamento da irmã, e mais o cheque que Aurélia lhe dera, de oitenta contos de réis, na noite de núpcias.

Separam-se, então, a esposa traída e o marido comprado, para se reencontrarem os amantes, a última recusa de Seixas sendo debelada quando Aurélia lhe mostra o testamento que fizera, quando casaram, revelando-lhe o seu amor e destinando-lhe toda a sua fortuna.

O enredo deste romance mostra claramente a mistura de elementos romanescos e da realidade. Foco narrativo - O romance é narrado em terceira pessoa por um narrador onisciente, ou seja, que tudo sabe sobre as personagens, penetrando em seus pensamentos e em sua alma. Esse narrador é também intruso, já que interfere em vários momentos, apresentando-se ao leitor. A técnica narrativa empregada por Alencar em Senhora é sem dúvida bem moderna, se tomarmos como base suas obras anteriores, já que o autor utiliza digressões.

Tempo - O tempo é cronológico, tomando como base o século XIX, durante o Segundo Império. Entretanto, não há linearidade, já que a história é contada a partir de flash-back.

Espaço

O espaço central da narrativa é Rio de Janeiro.

Personagens

As personagens são bem construídas e já apresentam certa profundidade psicológica. Ao contrário de várias personagens românticas, não constituem meros tipos sociais, já que são capazes de atitudes inesperadas.

1. Fernando Seixas: Jovem estudante de Direito, bem vestido e apreciador da vida em sociedade. A falta de dinheiro o conduz a acreditar que a única maneira de evitar a ruína final é casando-se com um bom dote. Envolvido pelo amor de Aurélia, chega a pensar em abandonar os hábitos caros, mas acaba percebendo que não consegue viver longe da sociedade. Depois do casamento por interesse, é humilhado, arrepende-se e consegue resgatar o dinheiro que recebeu a Aurélia.

2. Aurélia Camargo: Moça pobre. Aurélia é decente e apaixonada por Fernando Seixas. A decepção amorosa transforma-a num mulher vingativa e fria, mas que não consegue disfarçar seu verdadeiro sentimento por Seixas. Seu comportamento é típico de uma esquizofrênica, já que se vê dividida entre sentimentos contraditórios até o final do romance. O amor parece ser sua salvação, redimindo-a de perder o homem que ama por causa de seu orgulho.

3. Dona Emília: Viúva, mãe de Aurélia. Mulher honesta e séria, que amargou imenso sofrimento por causa de seu amor por Pedro Camargo.

4. Pedro Camargo: Pai de Aurélia, filho natural de um rico fazendeiro do interior de São Paulo, de quem nutria grande medo. Morre à mingua por não conseguir confessar seu casamento contra a vontade do pai.

5.  Lourenço Camargo: Avô de Aurélia. Pai de Pedro. Homem duro e rústico, mas que procura ser justo depois que descobre a existência do casamento do filho.

6.   D. Firmina: Parente distante de Aurélia e que lhe serve de companhia quando fica rica.

7.  Lemos: Tio de Aurélia. “Velho de pequena estatura, não muito gordo, mas rolho e bojudo como um vaso chinês. Apesar de seu corpo rechonchudo tinha certa vivacidade buliçosa e saltitante que lhe dava petulância de rapaz, e casava perfeitamente com seus olhinhos de azougue.” Foi escolhido por Aurélia como tutor porque a moça podia dominá-lo facilmente. Estilo de época e individual

Alencar não destoa do Romantismo em voga. A sua visão de mundo é baseada na emoção, e o mundo urbano, com seus problemas políticos e econômicos, o aborrece, por isso foge para o passado; escapa para os lugares selvagens. Suas obras procuram retratar um Brasil e personagens mais ideais do que reais, mais como ele gostaria que moralmente fossem (românticos e moralistas) do que objetivamente eram (realistas). Senhora é um romance de características definidas de forma romântica, mas que já traduz uma temática realista: a crítica ao casamento burguês.

Problemática e principais temas

O conflito amoroso entre os protagonistas nasce desse choque entre os sentimentos e o interesse econômico. Aurélia Camargo é uma mulher de personalidade forte, carregada de sentimentalismo romântico. Daí sua contradição, sua personalidade marcada por extremos psíquicos: dá maior valor aos sentimentos, mas vale-se do dinheiro para atingir seu objetivo de obter o grande amor de sua vida, Fernando Seixas. Dessa forma, o dinheiro acaba impondo o valor burguês que lhe era atribuído na sociedade do século XIX. A realização amorosa só se cumpre depois de Aurélia vencer a aparente esquizofrenia que parece conduzi-la á dúvida quanto às intenções de Fernando Seixas. O comportamento esquizóide manifesta-se nas atitudes antitéticas de desejar o amor do marido com todas as suas forças, mas lutar contra o mesmo até suas últimas reservas.


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