REALISMO E NATURALISMO


TEXTO I – SÉCULO XIX - A ERA DAS REVOLUÇÕES

O século XIX foi pródigo em transformações de toda ordem: políticas, econômicas, sociais, filosóficas e, sobretudo, científicas. Essas mudanças determinaram os rumos do século XX e obrigaram à reformulação de várias perspectivas tidas como fundamentais até então.
O capitalismo industrial já estava em curso, criando uma nova elite e uma nova burguesia. No momento pós-abolição da escravatura, eram impingidos salários miseráveis à numerosa classe proletária, gerando conturbações sociais.
As ciências fervilhavam de descobertas, especialmente as ligadas à Biologia, levando a novas concepções filosóficas e à revisão de conceitos religiosos consagrados.
Dentre as correntes de pensamento, destacamos o Positivismo, o Determinismo, o Evolucionismo, o Marxismo; e a Psicanálise, desenvolvida por Sigmund Freud.

O RACIONALISMO POSITIVISTA DE COMTE

O amor por princípio, a ordem por base, o progresso por meta.
Augusto Comte (1798-1857) só admite as verdades positivas, ou seja, as científicas, aquelas que emanam do experimentalismo, da observação e da constatação, e repudia a metafísica. Para ele só cinco ciências são relevantes: a Astronomia, a Física, a Química, a Fisiologia e a Sociologia, em ordem de importância. Esta última, pela sua complexidade, permitiria reformas sociais. Crê também que a finalidade do saber científico é a previsão, "saber para poder". Sua primeira obra chamou-se Plano dos Trabalhos Científicos para Reorganizar a Sociedade (1822), rebatizada, mais apropriadamente, em sua segunda edição, de Sistema de Política Positivista (1824).
Sua teoria objetiva a retomada de uma "ordem" que visa suprimir a indisciplina dos costumes. Para isso é preciso renunciar à busca do absoluto, o que turva o caminho das ciências positivas. No âmbito socioeconômico, Comte propõe uma organização eminentemente racional, que se direcione para os interesses coletivos, neutralizando os motivos de guerra e discórdia entre as nações.
Comte acreditava que é possível alcançar qualquer objetivo, desde que se saiba também imprimir às situações as causas necessárias à obtenção dos objetivos desejados.

O SOCIALISMO DE MARX
Um espectro ronda a Europa. Em 1848, os economistas e filósofos alemães KarI Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) publicaram o Manifesto Comunista, destinado sobretudo à classe operária, pretendendo despertar a consciência de classes. Pregava-se uma revolução internacional que derrubasse a burguesia e o sistema capitalista, e implantasse o comunismo. A pedra fundamental do marxismo está na idéia de socialização dos meios de produção. Em O Capital, obra de Marx, estão os principais conceitos do marxismo.
Karl Marx considerava inevitável a ação política do proletariado na sociedade burguesa, o que inauguraria a construção de uma nova sociedade. Num primeiro momento seriam instalados o controle do Estado através da ditadura do proletariado e a socialização de todos os meios de produção, não existindo mais a propriedade privada. O objetivo final desta revolução seria o comunismo, que representaria o fim de todas as desigualdades sociais e econômicas (a superação do capitalismo). Entre termos importantes e conceitos marxistas, destacamos: “Luta de classes”(confronto entre proletariado e burguesia), “Mais valia” (nome dado por Karl Marx à diferença entre o valor produzido pelo trabalho e o salário pago ao trabalhador, que seria a base do lucro no sistema capitalista), “Socialistas utópicos” (eram assim denominados pelos marxistas – que se auto-denominavam socialistas científicos – por defenderem os princípios de uma sociedade ideal sem indicar os meios para alcançá-la. Os pensadores Saint-Simon [1760-1825], Charles Fourier [1772-1837], Louis Blanc [1811-1882] e Robert Owen [1771-1858], estão entre os socialistas chamados de utópicos, cujo nome vem do livro Utopia de Thomas More [1478-1535]), “Socialismo científico” (Teoria política elaborada por Karl Marx e Friedrich Engels entre 1848 e 1867. Corrente deriva da dialética [resultado da luta de forças opostas] hegeliana e influenciada pelo socialismo utópico e pela economia inglesa da época. Com a teoria conhecida por materialismo histórico, Marx prevê o triunfo final dos trabalhadores sobre a burguesia.e chama de comunismo a essa sociedade e de socialismo ao processo de transição do capitalismo ao comunismo).

O ANARQUISMO DE PROUDHON

Pierre-Joseph Proudhon (Besançon, 15 de Janeiro de 1809 — Paris, 19 de Janeiro de 1865) Anarquista, filho de família muito pobre, foi pastor de pequeno rebanho de gado quando criança. Em 1840 publica um livro que o torna conhecido, seu ensaio “Qu'est-ce que la propriété?”, afirma “La propriété c'est le vol” (“A propriedade é o roubo”) e, em seu livro “Les confessions d'un révolutionnaire”, defende que “l'anarchie c'est l'ordre “ (“A anarquia é a ordem”). “A propriedade é o roubo” o leva à justiça, mas é absolvido.
As idéias de Proudhon eram opostas ao liberalismo. Denunciavam a organização econômica, governamental e educacional, propondo a criação de sociedades cooperativas de produção. Segundo ele, o homem deveria abandonar a condição econômica e moral baseada na sujeição a outros homens - que levaria à desarmonia social. A nova sociedade deveria apoiar-se no mutualismo, uma forma de cooperação baseada em associações, sem o poder coercitivo do Estado.

O EVOLUCIONISMO DE DARWIN
Ora, enquanto o nosso planeta, obedecendo à lei fixa da gravitação, continua a girar na sua órbita, uma quantidade infinito de belas e admiráveis formas, originadas de um começo tão simples, não cessou de se desenvolver e desenvolve-se ainda! (Origem das Espécies)
A obra Origem das Espécies (1859) foi elaborada pelo naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882), que retomou a teoria da evolução das espécies de Lamark, apoiando-se ainda em experimentos de seleção artificial da cultura de plantas e de criação de animais. Darwin elaborou a teoria da seleção natural, defendendo que a concorrência entre as espécies eliminaria os organismos mais fracos, permitindo à espécie inteira evoluir, graças às heranças genéticas favoráveis dos indivíduos mais fortes e mais aptos. A teoria da evolução abrange também a espécie humana e é apoiada pela Paleontologia, ciência que estuda os fósseis, e que demonstra existirem espécies intermediárias entre as fósseis e as vivas. Darwin demonstrou cientificamente que os seres humanos e os macacos têm um antepassado em comum — questionando assim a criação do mundo baseada no Gênesis bíblico, e colocando em discussão a existência de Deus, o que criou um escândalo na sociedade da época.

O DETERMINISMO DE TAINE

Todo acontecimento é uma conseqüência necessário de um acontecimento ou de uma série de acontecimentos anteriores.
Essa corrente foi desenvolvida por Hipólito Adolfo Taine (1828-1893), que aplicou o método experimental das Ciências Naturais às diversas produções do espírito humano. Taine afirmava que o comportamento humano era condicionado pelas influências de raça, de contexto histórico e de meio-ambiente.

A PSICANÁLISE DE FREUD

Desta forma, voltando o olhar para o trabalho de minha vida, posso dizer que iniciei muitas coisas e sugeri outras, das quais disporá o futuro. Não posso, porém, predizer o que chegarão a fazer. Freud
Sigmund Freud (1856-1939), médico neurologista, lançou-se no caminho para a fundação da Psicanálise estudando os efeitos da cocaína com o psiquiatra Meynert, em 1883. Dois anos depois, estagiou em Paris com Charcot, o grande neurologista francês, que fazia experimentos com a hipnose, espécie de sono induzido, durante o qual o paciente se torna muito sugestionável, e revela o que vai nas camadas não conscientes de seu psiquismo. Em 1886, abre seu consultório em Viena, onde usou o método hipnótico, substituindo-o depois por outros recursos como perguntas e livres-associações que permitem que sejam descobertos traumas que deram origem às neuroses. Aos poucos, elaborou sua Teoria do inconsciente, que tem como principais noções:
a) Inconsciente: parte do psiquismo humano constituída daquilo que não pode chegar à consciência; são desejos e fantasmas inaceitáveis do ponto de vista moral ou social, que ficam recalcados, mas são dotados de uma força que altera as funções conscientes. Ele representa, segundo Freud, nove décimos das funções psíquicas do indivíduo.
b) Censura: aquilo que impede o acesso à consciência dos desejos recalcados.
c) Recalcamento: mecanismo que rejeita e mantém fora da consciência o que é inconciliável com as exigências sociais ou morais.
d) Libido: energia que move os instintos de vida, determinando as funções criadoras ativas do indivíduo, particularmente do impulso sexual. Freud escandalizou o mundo afirmando que a libido é inata e que, portanto, as crianças também a apresentam. Para ele, o impulso sexual é o centro das tendências afetivas.
e) Sonho: ocupa 20 a 30 por cento do tempo de sono do indivíduo. O sono, segundo a Psicanálise, teria a função de burlar a censura, de modo que os desejos prisioneiros do recalcamento na vida diurna pudessem se manifestar. Eles viriam disfarçados para atravessarem a censura e serem aceitos pela consciência.
Em sua segunda teoria do aparelho psíquico, Freud dividiu o psiquismo humano em três partes:
a) Id: conjunto dos impulsos inconscientes, de origem biológica, ou recalcados, dominado pelo princípio do prazer e pelo desejo impulsivo; é a parte mais profunda da psique, receptáculo dos impulsos instintivos.
b)Ego: do latim, ego, "eu". É a parte mais superficial do id, que é modificada, através dos sentidos, pela influência do mundo exterior. Ao ser tornada consciente, tem por funções a comprovação da realidade e a aceitação, através de seleção e controle, de parte dos desejos e exigências procedentes dos impulsos que emanam do id.
c) Superego: é o "eu ideal". Desempenha a função de juiz, trabalha para a formação da consciência moral provocando recalcamento exercido pela censura. Integra o indivíduo à sociedade e parte da interiorização da autoridade e das proibições dos pais nas crianças.
Freud afirma que as neuroses são motivadas pelo choque entre o id e o ego. Grande parte delas seria causada por traumas de infância: frustrações ou experiências negativas não superadas. A neurose é a intervenção de um fato negativo passado que continua intervindo de forma nefasta no presente.
O Complexo de Édipo é uma das partes mais fundamentais da teoria da Psicanálise. Ele encontra sua substância no mito de Édipo Rei, do dramaturgo grego Sófocles. Trata basicamente da rivalidade que o menino vê no pai, que disputa com ele o amor da mãe, objeto do desejo daquele. A mãe é o primeiro modelo feminino para os garotos, e esse "triângulo amoroso" será a matriz dos relacionamentos vindouros. No caso das meninas, o que ocorre, segundo Freud, é a atração pelo pai e a rivalidade com a mãe, o que foi chamado de Complexo de Electra.


TEXTO II - NATURALISMO
Em 1867, Émile Zola edita Thérèse Raquin, dando início ao Naturalismo, propondo um método científico para escrever: coleta de dados, formulação de hipóteses, criação de personagens para comprovar a validade dessas hipóteses. Esses princípios estão expostos em O Romance Experimental. Outra obra de destaque de Zola é O Germinal.

REALISMO/NATURALISMO

O Realismo e o Naturalismo têm princípios comuns, como a objetividade, o universalismo, a correção e clareza de linguagem, o materialismo, a contenção emocional, o antropocentrismo, o descritivismo, a lentidão da narrativa, a impessoalidade do narrador. Cabe lembrar que o Naturalismo é uma ramificação cientificista do Realismo. Distinguem-se em vários pontos, uma vez que tinham objetivos diferentes. Vamos destacar algumas dessas peculiaridades entre as duas estéticas.

DIFERENÇAS ENTRE REALISMO E NATURALISMO

Os escritores realistas propõem-se a fazer o "romance de revolução", pretendendo reformar a sociedade por meio da literatura crítica. Preferem trabalhar com um pequeno elenco de personagens e analisá-los psicologicamente. Esperavam que os leitores se identificassem com as personagens e as situações retratadas e, a partir de uma auto-análise, pudessem transformar-se. Tratava-se, portanto, de um trabalho de educação intelectual e moral, que pretendia converter-se em transformação social.
Já os naturalistas, comprometidos com a ótica cientificista da época, objetivavam desenvolver o "romance de tese", no qual seria possível a demonstração das diversas teorias científicas. Tinham uma perspectiva biológica do mundo, reduzindo, muitas vezes, o homem à condição animal, colocando o instinto sobre a razão. Os aspectos desagradáveis e repulsivos da condição humana são valorizados, como uma forma de reação ao idealismo romântico. Os naturalistas retraíam preferencialmente o coletivo, envolvendo as personagens em espaços corrompidos social e/ou moralmente, pois acreditavam que a concentração de muitas pessoas num espaço desfavorável fazia aflorar os desvios psicopatológicos — um alvo de interesse desses escritores, o que denota uma visão determinista, em que o meio e o contexto histórico têm influência.

TEXTO III - O REALISMO-NATURALISMO

O termo realismo designa a tendência que caracteriza os autores fortemente apegados à chamada descrição "fiel" das coisas e da sociedade. Toma-se, portanto, como o contrário de romantismo. O movimento realista surgiu como desgaste e superação da literatura romântica. Aliás, grandes realistas, como Balzac ou Standhal, Gogol ou Charles Dickens, tinham sido românticos e quase naturalmente foram chegando a formas menos idealizadas da vida, até retratarem a sociedade moderna em sua nudez crua e opressiva. Esse é o caso de Machado de Assis, a partir de Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), que inaugura nosso realismo.
Não há uma forma única de realismo. O que acabamos de ver no parágrafo anterior poderia chamar-se "grande realismo" moderno. E o realismo que produziu obras-primas da literatura contemporânea. Entretanto, os livros didáticos costumam falar mais em realismo-naturalismo ou realismo naturalista. Este dificilmente produziu alguma grande obra. A diferença básica entre os dois realismos é a seguinte: enquanto os primeiros são grandes narradores, pois sabem captar a essência dramática da vida, com sua incrível variação de caracteres, os realistas-naturalistas tomam uma posição de analistas da sociedade, munem-se de métodos "científicos" e transformam-se em observadores. Isto acabaria empobrecendo seu campo de ação, por várias razões. Em primeiro lugar, na condição de retratistas, perdem o senso do elemento criativo, perdem em capacidade de ficção e invenção, pois antes de mais nada são observadores. Em segundo lugar, têm uma concepção muito limitada do ser humano, que é aquela que vem da pesquisa científica (medicina, biologia, sociologia, etc.). Finalmente, sua preocupação de denúncia e descrição acaba empobrecendo o horizonte dos personagens, cujo destino se limita apenas a comprovar as teses cientificistas do autor. Este quer demonstrar que o homem é um escravo da sociedade ou de seu próprio corpo. Tenta demonstrar que o corpo humano é controlado por Leis que transcendem a vontade e a moral do homem. Que resulta disso? Resulta que o personagem é apenas um exemplo, um caso clínico, que serve para ilustrar as regras gerais. Analisemos as regras de Taine, pensador bastante respeitado nos círculos naturalistas. Taine dizia que o homem vem a ser produto do meio ambiente; produto da raça a que pertence; produto do momento histórico. Isso deve ter algum fundo de verdade, pois todo mundo sabe que essas coisas pesam numa pessoa. Entretanto, isso não significa que o homem seja apenas produto passivo. Pelo contrário, ele pode agir, modificar ou contestar o universo que o cerca. Em geral, é isso que acontece com os lideres sociais, com os heróis, com os santos e grandes administradores que conhecemos ao longo da história universal. Acontece que, no naturalismo, não há lideres, nem heróis, nem santos, nem grandes administradores. No naturalismo existe o protagonista principal, que é pessoa igual a qualquer outra, e deve ser vitima como qualquer outra. Vitima da fatalidade das leis naturais. Por exemplo, um padre (prato predileto do naturalismo). É bom, religioso, dedicado. Isso de nada adianta diante das leis naturais, por exemplo, a lei da necessidade sexual. Então, o padre sucumbe ante a provocação de uma mulher. Isso é batata. É só pegar um romance naturalista em que haja padre, pra ver como o autor faz questão de provar que a carne é fraca até para as pessoas que deveriam ser muito fortes. O naturalismo é preconceituoso, pois não imagina que uma pessoa possa ser diferente. Iguala todo mundo, porque todo mundo é dominado pelas mesmas leis naturais. Por isso, o romance naturalista não surpreende. Você já imagina o que vai acontecer. É como um teorema. Dados tais elementos, derivam-se tais e tais. Pronto. Está feito o romance. Claro que estamos falando por alto. Mas no fundo é isso mesmo.
Finalmente, há um terceiro tipo de realismo, que chamaremos esteticista, preocupado com a beleza da expressão lingüística. E o momento em que o romancista descobre que seu veículo, o romance, é, antes de tudo, linguagem. Então, ele analisa os objetos com minúcia, mas em função do aprimoramento da linguagem, da sua capacidade em traduzir os refinamentos mais sutis que se possa conceber. E o caso de Gustave Flaubert e seu célebre Madame Bovary (1857). No Brasil, foi o caso de Machado de Assis, em Memórias Póstumas de Brás Cubas e Raul Pompéia, com O Ateneu.
(RODRIGUES, Medina A. et al. Antologia da literatura brasileira. Textos comentados. Vol. I, do Classicismo ao pré-modernismo. São Paulo: Marco, 1979).



REALISMO E NATURALISMO



“O Realismo é uma reação contra o Romantismo: o Romantismo era a apoteose do sentimento; - o Realismo é a anatomia do caráter. É a crítica do homem. É a arte que nos pinta a nossos próprios olhos – para condenar o que houve de mau na nossa sociedade.” Eça de Queirós. 


Introdução

A poesia do final da década de 1860 já anunciava o fim do Romantismo; Castro Alves, Sousândrade e Tobias Barreto faziam uma poesia romântica na forma e na expressão, mas os temas estavam voltados para uma realidade político-social. O mesmo se pode afirmar de algumas produções do romance romântico, notadamente a de Manuel Antônio de Almeida, Franklin Távora e Visconde de Taunay. Era o pré-realismo que se manifestava.
Na década de 70 surge a chamada Escola de Recife, com Tobias Barreto, Sílvio Romero e outros, aproximando-se das idéias européias ligadas ao Positivismo, ao Evolucionismo e, principalmente, à filosofia alemã. São os ideais do Realismo que encontravam ressonância no conturbado momento histórico pelo Brasil, sob o signo do abolicionismo, do ideal republicano e da crise da Monarquia.
Em 1857, o mesmo ano em que no Brasil era publicado O guarani, de José de Alencar, na França é publicado Madame Bovary, de Gustave Flaubert, considerado o primeiro romance realista da literatura universal. Em 1865, Claude Bernard publica Introdução à medicina experimental, com uma tese sobre a hereditariedade. Em 1867 Émile Zola publica Thérèse Raquin, inaugurando o romance naturalista.
No Brasil considera-se 1881 como o ano inaugural do Realismo. De fato, esse foi um ano fértil para a literatura brasileira, com a publicação de dois romances fundamentais, que  modificaram o curso de nossas  letras: Aluísio Azevedo publica O mulato, o primeiro romance naturalista do Brasil; Machado de Assis publica Memórias póstumas de Brás Cubas, o primeiro romance realista de nossa literatura.
Na divisão tradicional da história da literatura brasileira, o ano considerado data final do Realismo é 1893, com a publicação de Missal e Broquéis, ambos de Cruz e Souza, obras inaugurais do Simbolismo.  No entanto, é importante salientar que 1893 registra o início do Simbolismo, mas não o término do Realismo e suas manifestações na prosa, com os romances realistas e naturalistas, e na poesia, com oParnasianismo.  Basta lembrar que Dom Casmurro, de Machado de Assis, é de 1900; Esaú e Jacó, do mesmo autor, é de 1904. Olavo Bilac foi eleito “príncipe dos poetas” em 1907.  A Academia Brasileira de Letras, templo do Realismo, é de 1897.  Na realidade, nos últimos vinte anos do século XIX e nos primeiros vinte anos do século XX, temos três estéticas que se desenvolvem paralelas: o Realismo e suas manifestações, o Simbolismo e o Pré-Modernismo, que só conhecem o golpe fatal em 1922, com aSemana de Arte Moderna.


Diferenças entre Realismo e Naturalismo

Características do realismo e naturalismo


Momento Histórico

O Realismo reflete as profundas transformações econômicas, políticas, sociais e culturais da Segunda metade do século XIX.  A Revolução Industrial, iniciada no século XVIII, entra numa nova fase, caracterizada pela utilização do aço, do petróleo e da eletricidade; ao mesmo tempo o avanço científico leva a novas descobertas nos campos da Física e da Química. O capitalismo se estrutura em moldes modernos, com o surgimento de grandes complexos industriais; por outro lado, a massa operária urbana avoluma-se, formando uma população marginalizada que não partilha dos benefícios gerados pelo progresso industrial mas, pelo contrário, é explorada e sujeita a condições subumanas de trabalho.
Esta nova sociedade serve de pano de fundo para uma nova interpretação da realidade, gerando teorias de variadas posturas ideológicas. Numa seqüência cronológica temos o Positivismo de Auguste Comte, preocupado com o real-sensível, o fato, defendendo o cientificismo no pensamento filosófico e a conciliação da “ordem e progresso” (a expressão, utilizada na bandeira republicana do Brasil, é de inspiração comtiana); o Socialismo Científico de Karl Marx e Friedrich Engels, a partir da publicação do Manifesto Comunista, em 1848, definindo o materialismo histórico (“o modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social, político e intelectual em geral” – K. Marx) e a luta de classes; o Evolucionismo de Charles Darwin, a partir da publicação, em 1859, de A origem das espécies, livro em que ele expõe seus estudos sobre a evolução das espécies pelo processo de seleção natural, negando portanto a origem divina defendida pelo Cristianismo.
O Brasil também passa por mudanças radicais tanto no campo econômico como no político-social, no período compreendido entre 1850 e 1900, embora com profundas diferenças materiais, se comparadas às da Europa.  A campanha abolicionista intensifica-se a partir de 1850; a Guerra do Paraguai (1864/70) tem como conseqüência o pensamento republicano – o Partido Republicano foi fundado no ano em que essa guerra acabou –; a Monarquia vive uma vertiginosa decadência.  A Lei Áurea, de 1888, não resolveu o problema dos negros, mas criou uma nova realidade.  O fim da mão-de-obra escrava e a sua substituição pela mão-de-obra assalariada, então representada pelas levas de imigrantes europeus que vinham trabalhar na lavoura cafeeira, originou uma nova economia voltada para o mercado externo, mas agora sem a estrutura colonialista.
É nesse contexto socio-político-científico que surgem o Realismo, o Naturalismo e o Parnasianismo. A alteração do quadro social e cultural exigia dos escritores outra forma de abordar a realidade: menos idealizada do que a romântica e mais objetiva, crítica e participante.  Contudo há semelhanças e diferenças entre essas correntes.  As semelhanças residem na objetividade, na luta contra o Romantismo e no gosto por descrições minuciosas.


Características   

As características do Realismo estão intimamente ligadas ao momento histórico, refletindo, dessa forma, a postura do Positivismo, do Socialismo e do Evolucionismo, com todas as suas variantes. Assim é que o objetivismo aparece como negação do subjetivismo romântico e nos mostra o homem voltado para aquilo que está diante e fora dele, o não-eu; o personalismo cede terreno para o universalismo. O materialismo leva à negação do sentimentalismo e da metafísica. 
O nacionalismo e a volta ao passado histórico são deixados de lado; o Realismo só se preocupa com o presente, o contemporâneo.
Influenciados por Hypolite Taine e sua Filosofia da arte, os autores realistas são adeptos do determinismo, segundo o qual a obra de arte seria determinada por três fatores: o meio, o momento e a raça – esta, no que se refere à hereditariedade. O avanço das ciências, no século XIX, influencia sobremaneira os autores da nova estética, principalmente os naturalistas, donde se falar em cientificismo nas obras desse período. 

Ideologicamente os autores desse período são antimonárquicos, assumindo uma defesa clara do ideal republicano, como se observa na leitura de romances como O mulato, O cortiço e O Ateneu, por exemplo.  Negam a burguesia a partir da célula-mãe da sociedade: a família; eis por que os sempre presentes triângulos amorosos, formados pelo pai traído, a mãe adúltera e o amante, que é sempre um “amigo da casa”; para citarmos apenas exemplos famosos de Machado de Assis, eis alguns triângulos:  Bentinho/Capitu/Escobar; Lobo Neves/Virgília/Brás Cubas; Cristiano Palha/Sofia Palha/Rubião. São anticlericais, destacando-se em suas obras os padres corruptos e a hipocrisia de velhas beatas.
Finalmente é importante salientar que Realismo é denominação genérica da escola literária, sendo que nela se podem perceber três tendências distintas, expostas a seguir. 


Romance Realista   

Cultivado no Brasil por Machado de Assis, é uma narrativa mais preocupada com a análise psicológica, fazendo a crítica à sociedade a partir do comportamento de determinados personagens.  É interessante constatar que os cinco romances da fase realista de Machado apresentam nomes próprios em seus títulos – Brás Cubas; Quincas Borba; D. Casmurro; Esaú e Jacó; Aires –, revelando clara preocupação com o indivíduo.
O romance realista analisa a sociedade “por cima”, ou seja, seus personagens são capitalistas, pertencem à classe dominante; mais uma vez nos voltamos para a obra de Machado e percebemos que Brás Cubas não produz, vive do capital, o mesmo acontecendo com Bentinho; já Quincas Borba era louco e mendigo até receber uma herança; o único dos personagens centrais de Machado que trabalhava era Rubião (professor em Minas), mas recebe a herança de Quincas Borba, muda-se para o Rio e não trabalha mais, vivendo do capital. O romance realista é documental, retrato de uma época.
Observe o trecho abaixo:
Naquele tempo contava apenas uns quinze ou dezesseis anos; era talvez a mais atrevida criatura da nossa raça, e, com certeza, a mais voluntariosa.  Não digo que já lhe coubesse a primazia da beleza, entre as mocinhas do tempo, porque isto não é romance, em que o autor sobredoura a realidade e fecha os olhos às sardas e espinhas; mas também não digo que lhe maculasse o rosto nenhuma sarda ou espinha, não.  Era bonita, fresca, saía das mãos da natureza, cheia daquele feitiço, precário e eterno, que o indivíduo passa a outro indivíduo, para os fins secretos da criação.  Era isto Virgília, e era clara, muito clara, faceira, ignorante, pueril, cheia de uns ímpetos misteriosos; muita preguiça e alguma devoção, - devoção, ou talvez medo; creio que medo.  (ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo, Scipione, 1994. p. 45)
Podemos notar todo o estilo irônico do autor, aqui com suas baterias voltadas contra as idealizações românticas que haviam moldado o gosto do público leitor. Repare que Machado parte de uma adjetivação que nos leva a montar um perfil da heroína romântica (a mais atrevida, a mais voluntariosa, bonita, fresca, carregada de feitiço, faceira) para só num segundo momento provocar a ruptura:  ignorante, pueril, preguiçosa.


Romance Naturalista 

Cultivado no Brasil por Aluísio Azevedo, Júlio Ribeiro, Adolfo Caminha, Domingos Olímpio, Inglês de Souza e Manuel de Oliveira Paiva; o caso de Raul Pompéia é muito particular, pois seu romance O Ateneu ora apresenta características naturalistas, ora realistas, ora impressionistas. 
A narrativa naturalista é marcada pela forte análise social a partir de grupos humanos marginalizados, valorizando o coletivo; interessa também notar que os títulos dos romances naturalistas apresentam a mesma preocupação: O mulato, O cortiço, Casa de pensão, O Ateneu.  Há inclusive, sobre o romance O cortiço, a tese de que o principal personagem não é João Romão, nem Bertoleza, nem Rita Baiana, nem Pombinha, mas sim o próprio cortiço ou, como afirma Antônio  Candido, “o romance é o nascimento, vida, paixão e morte de um cortiço”.  Sob um certo ponto de vista, o mesmo poderia ser dito sobre o colégio Ateneu (os dois romances se encerram com a destruição dos prédios, abrigos coletivos).
Por outro lado, o naturalismo apresenta romances experimentais; a influência de Darwin se faz sentir na máxima naturalista segundo a qual o homem é  um animal; portanto, antes de usar a razão, deixa-se levar pelos instintos naturais, não podendo ser reprimido em suas manifestações instintivas, como o sexo, pela moral da classe dominante.  A constante repressão leva às taras patológicas, tão ao gosto naturalista; em conseqüência, esses romances são mais ousados e erroneamente tachados por alguns de pornográficos, apresentando descrições minuciosas de atos sexuais, tocando, inclusive, em temas então proibidos, como o homossexualismo:  tanto o masculino, como em O Ateneu, quanto o feminino, em O cortiço.
Observe o texto abaixo:
Ana Rosa, com efeito, de algum tempo a essa  parte, fazia visitas ao quarto de Raimundo, durante a ausência do morador.
Entrava disfarçadamente, fechava as rótulas da janela, e, como sabia que o morador não aparecia àquela hora, começava a bulir nos livros, a remexer nas gavetas abertas, a experimentar as fechaduras, a ler os cartões de visita e todos os pedacinhos de papel escrito, que lhe caíam nas mãos.  Sempre que encontrava um lenço já servido, no chão ou atirado sobre a cômoda, apoderava-se dele e cheirava-o sofregamente, como fazia também com os chapéus de cabeça e com a  travesseirinha da cama.
Estas bisbilhotices deixavam-na caída numa enervação voluptuosa e doentia, que lhe punha no corpo arrepios de febre.  (AZEVEDO, Aluísio.  O mulato.  19. ed. São Paulo, Martins Fontes, 1974. p. 121)
Observamos  que a personagem Ana Rosa, criada segundo alguns “caprichos românticos e fantasias poéticas”, não resiste à força da atração física que Raimundo lhe desperta, chegando a invadir o quarto do rapaz.  O importante é notar como a moça é dominada pelos instintos; como se fosse um animal, “lê” o mundo por meio dos sentidos (ela “conhece” o rapaz pelo cheiro que ele imprimiu nos objetos); a excitação provoca reações físicas (enervação voluptuosa, febre), transformando-se num caso patológico, doentio. 


Observação:

Como você observa, há vários pontos de coincidência entre o romance realista e o naturalista; diríamos até que ambos partem de um mesmo ponto x e ambos chegam a um mesmo ponto y, só que percorrendo caminhos diversos.  Tanto um como outro atacam a monarquia, o clero e a sociedade burguesa.  Inclusive, podemos encontrar, num mesmo autor, determinadas posturas mais realistas convivendo com enfoques mais naturalistas. É o caso de O Ateneu, citado acima.
Eça de Queirós, em Portugal, é outro exemplo significativo: alguns críticos o consideram realista, outros classificam-no como naturalista. 

Realismo e Naturalismo no Brasil

Contexto Histórico
O Realismo, no Brasil, nasceu em conseqüência da crise criada com a decadência econômica açucareira, o crescimento do prestígio dos estados do sul e o descontentamento da classe burguesa em ascensão na época, o que facilitou o acolhimento dos ideais abolicionistas e republicanos. O movimento Republicano fundou em 1870 o Partido Republicano, que lutou para trocar o trabalho escravo pela mão-de-obra imigrante.
Nesse período, as idéias de Comte, Spencer, Darwin e Haeckel conquistaram os intelectuais brasileiros que se entregaram ao espírito científico, sobrepujando a concepção espiritualista do Romantismo. Todos se voltam para explicar o universo através da Ciência, tendo como guias o positivismo, o darwinismo, o naturalismo e o cientificismo. O grande divulgador do movimento foi Tobias Barreto, ideólogo da Escola de Recife, admirador das idéias de Augusto Comte e Hipólito Taine.
O Realismo e o Naturalismo aqui se estabelecem com o aparecimento, em 1881, da obra realista Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, e da naturalista O Mulato, de Aluísio de Azevedo, influenciados pelo escritor português Eça de Queirós, com as obras O Crime do Padre Amaro (1875) e Primo Basílio (1878). O movimento se estende até o início do século XX, quando Graça Aranha publica Canaã, fazendo surgir uma nova estética: o Pré-Modernismo.


Características

A literatura realista e naturalista surge na França com Flaubert (1821-1880) e Zola (1840-1902). Flaubert (1821-1880) é o primeiro escritor a pleitear para a prosa a preocupação científica com o intuito de captar a realidade em toda sua crueldade. Para ele a arte é impessoal e a fantasia deve ser exercida através da observação psicológica, enquanto os fatos humanos e a vida comum são documentados, tendo como fim a objetividade. O romancista fotografa minuciosamente os aspectos fisiológicos, patológicos e anatômicos, filtrando pela sensibilidade o real.
Contudo, a escola Realista atinge seu ponto máximo com o Naturalismo, direcionado pelas idéias materialísticas. Zola, por volta de 1870, busca aprofundar o cientificismo, aplicando-lhe novos princípios, negando o envolvimento pessoal do escritor que deve, diante da natureza, colocar a observação e experiência acima de tudo. O afastamento do sobrenatural e do subjetivo cede lugar à observação objetiva e à razão, sempre, aplicada ao estudo da natureza, orientando toda busca de conhecimento.
Alfredo Bosi assim descreve o movimento: "O Realismo se tingirá de naturalismo no romance e no conto, sempre que fizer personagens e enredos submeterem-se ao destino cego das "leis naturais" que a ciência da época julgava ter codificado; ou se dirá parnasiano, na poesia, à medida que se esgotar no lavor do verso tecnicamente perfeito".
Vindo da Europa com tendências ao universal, o Realismo acaba aqui modificado por nossas tradições e, sobretudo, pela intensificação das contradições da sociedade, reforçadas pelos movimentos republicano e abolicionista, intensificadores do descompasso do sistema social. O conhecimento sobre o ser humano se amplia com o avanço da Ciência e os estudos passam a ser feitos sob a ótica da Psicologia e da Sociologia. A Teoria da Evolução das Espécies de Darwin oferece novas perspectivas com base científica, concorrendo para o nascimento de um tipo de literatura mais engajada, impetuosa, renovadora e preocupada com a linguagem.
Os temas, opostos àqueles do Romantismo, não mais engrandecem os valores sociais, mas os combatem ferozmente. A ambientação dos romances se dá, preferencialmente, em locais miseráveis, localizados com precisão; os casamentos felizes são substituídos pelo adultério; os costumes são descritos minuciosamente com reprodução da linguagem coloquial e regional.
O romance sob a tendência naturalista manifesta preocupação social e focaliza personagens vivendo em extrema pobreza, exibindo cenas chocantes. Sua função é de crítica social, denúncia da exploração do homem pelo homem e sua brutalização.
A hereditariedade é vista como rigoroso determinismo a que se submetem as personagens, subordinadas, também, ao meio que lhes molda a ação, ficando entregues à sensualidade, à sucessão dos fatos e às circunstâncias ambientais. Além de deter toda sua ação sob o senso do real, o escritor deve ser capaz de expressar tudo com clareza, demonstrando cientificamente como reagem os homens, quando vivem em sociedade.
Outro tratamento típico é a caracterização psicológica das personagens que têm seus retratos compostos através da exposição de seus pensamentos, hábitos e contradições, revelando a imprevisibilidade das ações e construção das personagens, retratadas no romance psicológico dos escritores Raul Pompéia e Machado de Assis.
A Principal característica do Realismo é a Psicologia 
A Princpal característica do Naturalismo é a Cientifica