TEXTO
I – SÉCULO XIX - A ERA DAS REVOLUÇÕES
O
século XIX foi pródigo em transformações de toda ordem: políticas, econômicas,
sociais, filosóficas e, sobretudo, científicas. Essas mudanças determinaram os
rumos do século XX e obrigaram à reformulação de várias perspectivas tidas como
fundamentais até então.
O
capitalismo industrial já estava em curso, criando uma nova elite e uma nova
burguesia. No momento pós-abolição da escravatura, eram impingidos salários
miseráveis à numerosa classe proletária, gerando conturbações sociais.
As
ciências fervilhavam de descobertas, especialmente as ligadas à Biologia,
levando a novas concepções filosóficas e à revisão de conceitos religiosos
consagrados.
Dentre
as correntes de pensamento, destacamos o Positivismo, o Determinismo, o
Evolucionismo, o Marxismo; e a Psicanálise, desenvolvida por Sigmund Freud.
O
RACIONALISMO POSITIVISTA DE COMTE
O
amor por princípio, a ordem por base, o progresso por meta.
Augusto
Comte (1798-1857) só admite as verdades positivas, ou seja, as científicas,
aquelas que emanam do experimentalismo, da observação e da constatação, e
repudia a metafísica. Para ele só cinco ciências são relevantes: a Astronomia,
a Física, a Química, a Fisiologia e a Sociologia, em ordem de importância. Esta
última, pela sua complexidade, permitiria reformas sociais. Crê também que a
finalidade do saber científico é a previsão, "saber para poder". Sua
primeira obra chamou-se Plano dos Trabalhos Científicos para Reorganizar a
Sociedade (1822), rebatizada, mais apropriadamente, em sua segunda edição, de
Sistema de Política Positivista (1824).
Sua
teoria objetiva a retomada de uma "ordem" que visa suprimir a
indisciplina dos costumes. Para isso é preciso renunciar à busca do absoluto, o
que turva o caminho das ciências positivas. No âmbito socioeconômico, Comte
propõe uma organização eminentemente racional, que se direcione para os
interesses coletivos, neutralizando os motivos de guerra e discórdia entre as
nações.
Comte
acreditava que é possível alcançar qualquer objetivo, desde que se saiba também
imprimir às situações as causas necessárias à obtenção dos objetivos desejados.
O
SOCIALISMO DE MARX
Um
espectro ronda a Europa. Em 1848, os economistas e filósofos alemães KarI Marx
(1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) publicaram o Manifesto Comunista,
destinado sobretudo à classe operária, pretendendo despertar a consciência de
classes. Pregava-se uma revolução internacional que derrubasse a burguesia e o
sistema capitalista, e implantasse o comunismo. A pedra fundamental do marxismo
está na idéia de socialização dos meios de produção. Em O Capital, obra de
Marx, estão os principais conceitos do marxismo.
Karl
Marx considerava inevitável a ação política do proletariado na sociedade
burguesa, o que inauguraria a construção de uma nova sociedade. Num primeiro
momento seriam instalados o controle do Estado através da ditadura do
proletariado e a socialização de todos os meios de produção, não existindo mais
a propriedade privada. O objetivo final desta revolução seria o comunismo, que
representaria o fim de todas as desigualdades sociais e econômicas (a superação
do capitalismo). Entre termos importantes e conceitos marxistas, destacamos:
“Luta de classes”(confronto entre proletariado e burguesia), “Mais valia” (nome
dado por Karl Marx à diferença entre o valor produzido pelo trabalho e o
salário pago ao trabalhador, que seria a base do lucro no sistema capitalista),
“Socialistas utópicos” (eram assim denominados pelos marxistas – que se
auto-denominavam socialistas científicos – por defenderem os princípios de uma
sociedade ideal sem indicar os meios para alcançá-la. Os pensadores Saint-Simon
[1760-1825], Charles Fourier [1772-1837], Louis Blanc [1811-1882] e Robert Owen
[1771-1858], estão entre os socialistas chamados de utópicos, cujo nome vem do
livro Utopia de Thomas More [1478-1535]), “Socialismo científico” (Teoria
política elaborada por Karl Marx e Friedrich Engels entre 1848 e 1867. Corrente
deriva da dialética [resultado da luta de forças opostas] hegeliana e
influenciada pelo socialismo utópico e pela economia inglesa da época. Com a
teoria conhecida por materialismo histórico, Marx prevê o triunfo final dos
trabalhadores sobre a burguesia.e chama de comunismo a essa sociedade e de
socialismo ao processo de transição do capitalismo ao comunismo).
O
ANARQUISMO DE PROUDHON
Pierre-Joseph
Proudhon (Besançon, 15 de Janeiro de 1809 — Paris, 19 de Janeiro de 1865)
Anarquista, filho de família muito pobre, foi pastor de pequeno rebanho de gado
quando criança. Em 1840 publica um livro que o torna conhecido, seu ensaio “Qu'est-ce
que la propriété?”, afirma “La propriété c'est le vol” (“A propriedade é o
roubo”) e, em seu livro “Les confessions d'un révolutionnaire”, defende que
“l'anarchie c'est l'ordre “ (“A anarquia é a ordem”). “A propriedade é o roubo”
o leva à justiça, mas é absolvido.
As
idéias de Proudhon eram opostas ao liberalismo. Denunciavam a organização
econômica, governamental e educacional, propondo a criação de sociedades
cooperativas de produção. Segundo ele, o homem deveria abandonar a condição
econômica e moral baseada na sujeição a outros homens - que levaria à
desarmonia social. A nova sociedade deveria apoiar-se no mutualismo, uma forma
de cooperação baseada em associações, sem o poder coercitivo do Estado.
O
EVOLUCIONISMO DE DARWIN
Ora,
enquanto o nosso planeta, obedecendo à lei fixa da gravitação, continua a girar
na sua órbita, uma quantidade infinito de belas e admiráveis formas, originadas
de um começo tão simples, não cessou de se desenvolver e desenvolve-se ainda!
(Origem das Espécies)
A
obra Origem das Espécies (1859) foi elaborada pelo naturalista inglês Charles
Darwin (1809-1882), que retomou a teoria da evolução das espécies de Lamark,
apoiando-se ainda em experimentos de seleção artificial da cultura de plantas e
de criação de animais. Darwin elaborou a teoria da seleção natural, defendendo
que a concorrência entre as espécies eliminaria os organismos mais fracos,
permitindo à espécie inteira evoluir, graças às heranças genéticas favoráveis
dos indivíduos mais fortes e mais aptos. A teoria da evolução abrange também a
espécie humana e é apoiada pela Paleontologia, ciência que estuda os fósseis, e
que demonstra existirem espécies intermediárias entre as fósseis e as vivas.
Darwin demonstrou cientificamente que os seres humanos e os macacos têm um
antepassado em comum — questionando assim a criação do mundo baseada no Gênesis
bíblico, e colocando em discussão a existência de Deus, o que criou um
escândalo na sociedade da época.
O
DETERMINISMO DE TAINE
Todo
acontecimento é uma conseqüência necessário de um acontecimento ou de uma série
de acontecimentos anteriores.
Essa
corrente foi desenvolvida por Hipólito Adolfo Taine (1828-1893), que aplicou o
método experimental das Ciências Naturais às diversas produções do espírito
humano. Taine afirmava que o comportamento humano era condicionado pelas
influências de raça, de contexto histórico e de meio-ambiente.
A
PSICANÁLISE DE FREUD
Desta
forma, voltando o olhar para o trabalho de minha vida, posso dizer que iniciei
muitas coisas e sugeri outras, das quais disporá o futuro. Não posso, porém,
predizer o que chegarão a fazer. Freud
Sigmund
Freud (1856-1939), médico neurologista, lançou-se no caminho para a fundação da
Psicanálise estudando os efeitos da cocaína com o psiquiatra Meynert, em 1883.
Dois anos depois, estagiou em Paris com Charcot, o grande neurologista francês,
que fazia experimentos com a hipnose, espécie de sono induzido, durante o qual
o paciente se torna muito sugestionável, e revela o que vai nas camadas não
conscientes de seu psiquismo. Em 1886, abre seu consultório em Viena, onde usou
o método hipnótico, substituindo-o depois por outros recursos como perguntas e
livres-associações que permitem que sejam descobertos traumas que deram origem
às neuroses. Aos poucos, elaborou sua Teoria do inconsciente, que tem como
principais noções:
a)
Inconsciente: parte do psiquismo humano constituída daquilo que não pode chegar
à consciência; são desejos e fantasmas inaceitáveis do ponto de vista moral ou
social, que ficam recalcados, mas são dotados de uma força que altera as
funções conscientes. Ele representa, segundo Freud, nove décimos das funções
psíquicas do indivíduo.
b)
Censura: aquilo que impede o acesso à consciência dos desejos recalcados.
c)
Recalcamento: mecanismo que rejeita e mantém fora da consciência o que é
inconciliável com as exigências sociais ou morais.
d)
Libido: energia que move os instintos de vida, determinando as funções
criadoras ativas do indivíduo, particularmente do impulso sexual. Freud
escandalizou o mundo afirmando que a libido é inata e que, portanto, as
crianças também a apresentam. Para ele, o impulso sexual é o centro das
tendências afetivas.
e)
Sonho: ocupa 20 a 30 por cento do tempo de sono do indivíduo. O sono, segundo a
Psicanálise, teria a função de burlar a censura, de modo que os desejos
prisioneiros do recalcamento na vida diurna pudessem se manifestar. Eles viriam
disfarçados para atravessarem a censura e serem aceitos pela consciência.
Em
sua segunda teoria do aparelho psíquico, Freud dividiu o psiquismo humano em
três partes:
a)
Id: conjunto dos impulsos inconscientes, de origem biológica, ou recalcados,
dominado pelo princípio do prazer e pelo desejo impulsivo; é a parte mais
profunda da psique, receptáculo dos impulsos instintivos.
b)Ego:
do latim, ego, "eu". É a parte mais superficial do id, que é
modificada, através dos sentidos, pela influência do mundo exterior. Ao ser
tornada consciente, tem por funções a comprovação da realidade e a aceitação,
através de seleção e controle, de parte dos desejos e exigências procedentes
dos impulsos que emanam do id.
c)
Superego: é o "eu ideal". Desempenha a função de juiz, trabalha para
a formação da consciência moral provocando recalcamento exercido pela censura.
Integra o indivíduo à sociedade e parte da interiorização da autoridade e das
proibições dos pais nas crianças.
Freud
afirma que as neuroses são motivadas pelo choque entre o id e o ego. Grande
parte delas seria causada por traumas de infância: frustrações ou experiências
negativas não superadas. A neurose é a intervenção de um fato negativo passado
que continua intervindo de forma nefasta no presente.
O
Complexo de Édipo é uma das partes mais fundamentais da teoria da Psicanálise.
Ele encontra sua substância no mito de Édipo Rei, do dramaturgo grego Sófocles.
Trata basicamente da rivalidade que o menino vê no pai, que disputa com ele o
amor da mãe, objeto do desejo daquele. A mãe é o primeiro modelo feminino para
os garotos, e esse "triângulo amoroso" será a matriz dos
relacionamentos vindouros. No caso das meninas, o que ocorre, segundo Freud, é
a atração pelo pai e a rivalidade com a mãe, o que foi chamado de Complexo de
Electra.
TEXTO
II - NATURALISMO
Em
1867, Émile Zola edita Thérèse Raquin, dando início ao Naturalismo, propondo um
método científico para escrever: coleta de dados, formulação de hipóteses,
criação de personagens para comprovar a validade dessas hipóteses. Esses
princípios estão expostos em O Romance Experimental. Outra obra de destaque de
Zola é O Germinal.
REALISMO/NATURALISMO
O
Realismo e o Naturalismo têm princípios comuns, como a objetividade, o
universalismo, a correção e clareza de linguagem, o materialismo, a contenção
emocional, o antropocentrismo, o descritivismo, a lentidão da narrativa, a
impessoalidade do narrador. Cabe lembrar que o Naturalismo é uma ramificação
cientificista do Realismo. Distinguem-se em vários pontos, uma vez que tinham
objetivos diferentes. Vamos destacar algumas dessas peculiaridades entre as
duas estéticas.
DIFERENÇAS
ENTRE REALISMO E NATURALISMO
Os
escritores realistas propõem-se a fazer o "romance de revolução",
pretendendo reformar a sociedade por meio da literatura crítica. Preferem
trabalhar com um pequeno elenco de personagens e analisá-los psicologicamente.
Esperavam que os leitores se identificassem com as personagens e as situações
retratadas e, a partir de uma auto-análise, pudessem transformar-se.
Tratava-se, portanto, de um trabalho de educação intelectual e moral, que
pretendia converter-se em transformação social.
Já
os naturalistas, comprometidos com a ótica cientificista da época, objetivavam
desenvolver o "romance de tese", no qual seria possível a
demonstração das diversas teorias científicas. Tinham uma perspectiva biológica
do mundo, reduzindo, muitas vezes, o homem à condição animal, colocando o
instinto sobre a razão. Os aspectos desagradáveis e repulsivos da condição
humana são valorizados, como uma forma de reação ao idealismo romântico. Os
naturalistas retraíam preferencialmente o coletivo, envolvendo as personagens
em espaços corrompidos social e/ou moralmente, pois acreditavam que a
concentração de muitas pessoas num espaço desfavorável fazia aflorar os desvios
psicopatológicos — um alvo de interesse desses escritores, o que denota uma
visão determinista, em que o meio e o contexto histórico têm influência.
TEXTO
III - O REALISMO-NATURALISMO
O
termo realismo designa a tendência que caracteriza os autores fortemente
apegados à chamada descrição "fiel" das coisas e da sociedade.
Toma-se, portanto, como o contrário de romantismo. O movimento realista surgiu
como desgaste e superação da literatura romântica. Aliás, grandes realistas,
como Balzac ou Standhal, Gogol ou Charles Dickens, tinham sido românticos e
quase naturalmente foram chegando a formas menos idealizadas da vida, até
retratarem a sociedade moderna em sua nudez crua e opressiva. Esse é o caso de
Machado de Assis, a partir de Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), que
inaugura nosso realismo.
Não
há uma forma única de realismo. O que acabamos de ver no parágrafo anterior
poderia chamar-se "grande realismo" moderno. E o realismo que
produziu obras-primas da literatura contemporânea. Entretanto, os livros
didáticos costumam falar mais em realismo-naturalismo ou realismo naturalista.
Este dificilmente produziu alguma grande obra. A diferença básica entre os dois
realismos é a seguinte: enquanto os primeiros são grandes narradores, pois
sabem captar a essência dramática da vida, com sua incrível variação de
caracteres, os realistas-naturalistas tomam uma posição de analistas da
sociedade, munem-se de métodos "científicos" e transformam-se em
observadores. Isto acabaria empobrecendo seu campo de ação, por várias razões.
Em primeiro lugar, na condição de retratistas, perdem o senso do elemento
criativo, perdem em capacidade de ficção e invenção, pois antes de mais nada
são observadores. Em segundo lugar, têm uma concepção muito limitada do ser
humano, que é aquela que vem da pesquisa científica (medicina, biologia,
sociologia, etc.). Finalmente, sua preocupação de denúncia e descrição acaba
empobrecendo o horizonte dos personagens, cujo destino se limita apenas a
comprovar as teses cientificistas do autor. Este quer demonstrar que o homem é
um escravo da sociedade ou de seu próprio corpo. Tenta demonstrar que o corpo
humano é controlado por Leis que transcendem a vontade e a moral do homem. Que
resulta disso? Resulta que o personagem é apenas um exemplo, um caso clínico,
que serve para ilustrar as regras gerais. Analisemos as regras de Taine,
pensador bastante respeitado nos círculos naturalistas. Taine dizia que o homem
vem a ser produto do meio ambiente; produto da raça a que pertence; produto do
momento histórico. Isso deve ter algum fundo de verdade, pois todo mundo sabe
que essas coisas pesam numa pessoa. Entretanto, isso não significa que o homem
seja apenas produto passivo. Pelo contrário, ele pode agir, modificar ou
contestar o universo que o cerca. Em geral, é isso que acontece com os lideres
sociais, com os heróis, com os santos e grandes administradores que conhecemos
ao longo da história universal. Acontece que, no naturalismo, não há lideres,
nem heróis, nem santos, nem grandes administradores. No naturalismo existe o
protagonista principal, que é pessoa igual a qualquer outra, e deve ser vitima
como qualquer outra. Vitima da fatalidade das leis naturais. Por exemplo, um
padre (prato predileto do naturalismo). É bom, religioso, dedicado. Isso de
nada adianta diante das leis naturais, por exemplo, a lei da necessidade
sexual. Então, o padre sucumbe ante a provocação de uma mulher. Isso é batata.
É só pegar um romance naturalista em que haja padre, pra ver como o autor faz
questão de provar que a carne é fraca até para as pessoas que deveriam ser muito
fortes. O naturalismo é preconceituoso, pois não imagina que uma pessoa possa
ser diferente. Iguala todo mundo, porque todo mundo é dominado pelas mesmas
leis naturais. Por isso, o romance naturalista não surpreende. Você já imagina
o que vai acontecer. É como um teorema. Dados tais elementos, derivam-se tais e
tais. Pronto. Está feito o romance. Claro que estamos falando por alto. Mas no
fundo é isso mesmo.
Finalmente,
há um terceiro tipo de realismo, que chamaremos esteticista, preocupado com a
beleza da expressão lingüística. E o momento em que o romancista descobre que
seu veículo, o romance, é, antes de tudo, linguagem. Então, ele analisa os
objetos com minúcia, mas em função do aprimoramento da linguagem, da sua
capacidade em traduzir os refinamentos mais sutis que se possa conceber. E o
caso de Gustave Flaubert e seu célebre Madame Bovary (1857). No Brasil, foi o
caso de Machado de Assis, em Memórias Póstumas de Brás Cubas e Raul Pompéia,
com O Ateneu.
(RODRIGUES,
Medina A. et al. Antologia da literatura brasileira. Textos comentados. Vol. I,
do Classicismo ao pré-modernismo. São Paulo: Marco, 1979).